cronicamente online #004
o ying yang da semana: do “me core” ao bobbie goods. como pode a internet sair do caos e ir pro conforto em só duas (leves) roladas no feed?
fala aí, cronicamentes! tudo certo?
estava eu no TikTok essa semana (obviamente pesquisando tendências, zero procrastinação aqui kkk) quando me deparei com esse vídeo aqui.
a pessoa digitava “me core” na busca e começavam a aparecer vídeos que, de alguma forma, sabiam exatamente o que ela estava sentindo. magia? feitiçaria? tecnologia chinesa? ou só o algoritmo fazendo seu trabalho? [spoiler: é o algoritmo mesmo - e ele te conhece melhor do que qualquer pessoa.]
o termo “me core” nem soa estranho, vai… estamos acostumados a ver o sufixo “core” se infiltrando em tudo: cottagecore, goblincore, sadgirlcore… mas dessa vez, o centro da estética é o eu. ou melhor: meus sentimentos processados em formato de meme estético (tudo pro meu TikTok).
e aí vocês pensam, meus caros LEITORES: mas zé, por que trazer isso pra cá? é só mais uma trend de TikTok, né?
sim. e não. o “me core” já passou de 300 mil vídeos na plataforma. e o mais curioso não é a estética, mas sim a carga emocional que vem junto com eles. são vídeos com frases que parecem tiradas do fundo do seu coração (e do seu bloco de notas), trilhas sonoras melancólicas, cenas de filmes cortadas em silêncio. tudo com aquele ar de “ninguém me entende, mas isso é tão EU”.
é o ~colapso emocional~ disfarçado de linguagem visual. é a geração alpha dizendo o que sente sem dizer, apenas editando. e isso é comportamento.
a geração alpha, nascida pós-2010, cresceu sabendo que internet não é só lugar de consumir - é lugar de ser. diferente da geração Z (que ainda viveu o trauma de postar só pra amigos, ter 3 curtidas, viveu o fim do Orkut e do MSN…), os alphas têm o TikTok como diário emocional, editor de sentimentos e vitrine de identidade.
[pega esses dados] segundo a WGSN, 79% dos alphas entre 6 e 16 anos dizem que se expressam melhor online do que pessoalmente.
já a pesquisa TIC Kids Online Brasil (2023) mostra que 93% das crianças e adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos acessam a internet regularmente - e muitos antes dos 5 anos. além disso, estudos do Harvard Center on the Developing Child (2022) alertam que o excesso de estímulo digital afeta diretamente atenção, linguagem e regulação emocional na infância.
isso significa o que? que devemos ver adultos (e jovens adultos) num futuro próximo mais abertos pra falar sobre sentimentos e relações e uma barreira da vergonha cada vez menor. o digital (que nem se divide mais em digital e real), quebrou tudo isso que existia.
mas calma, nem tudo é caos (só quase tudo).
toda essa fluência tecnológica também abre espaço pra novas formas de criatividade e conexão. e aí entra o outro lado da moeda emocional da internet…
os bobbie goods.
[valeu Leo pelo toque de escrever sobre isso aqui!]
se o “me core” é sobre colapsar mentalmente (hahaha), bobbie goods é sobre calma. sobre arte. sobre fazer parte de uma comunidade que quer acalmar o dia a dia.
pra quem ainda não conhece: a bobbie goods é uma marca criada por uma artista chamada Bobbie, que começou postando vídeos desenhando com canetinhas em tempo real no TikTok: sempre com trilhas de bpm baixo, paletas pastel e temáticas tipo “panquecas pela manhã" e “noites aconchegantes”. são cenas (em preto e branco) feitas pra desenhar.
os vídeos viralizaram como uma forma de ASMR visual e emocional. e aí o negócio explodiu.
e explodiu de verdade: fui na Liberdade (em São Paulo) nesse último fim de semana e toda e qualquer loja de variedades tem bobbie goods (e suas canetinhas de 28, 48, 120, 256 cores…).
*quem leu a última edição, lembra do que é sucesso no Brasil, né?*
de artista indie a fenômeno comercial: hoje, a marca tem uma loja própria com pôsteres, cadernos, adesivos, planners, kits de desenho e livros de colorir.

os livros da Bobbie já bateram o top 10 dos mais vendidos na Amazon US (e na do BR também) na categoria Arts & Crafts e vivem esgotando em sites como Urban Outfitters, Barnes & Noble e Paper Source.
e não é só na gringa não: o impacto da Bobbie Goods já domina o varejo físico. nas lojas como o Armarinhos Fernando, na 25 de Março em São Paulo, os livros de colorir representam cerca de 7% do faturamento do setor de papelaria, com vendas diárias de até 1.800 unidades. (DIÁRIAS, tá?)

e o que explica esse boom? comportamento.
nos últimos anos, cresceu o que muitos especialistas chamam de “a economia do aconchego” - um movimento de consumo que busca refúgio emocional em objetos, narrativas e experiências que remetem a conforto, calma e familiaridade.
de acordo com a consultoria TrendWatching, pós-2020 houve um salto global na busca por conteúdos e produtos que remetem a segurança emocional e desaceleração. bobbie surfou exatamente nessa onda:
vídeos lentos em um feed que te perde em 2 segundos
traços extremamente simples em meio a estímulos visuais pesados
e uma estética que, mesmo sem dizer nada, diz: “você tá seguro aqui”, “sou seu amigo” e “vamos viver isso juntos”.
ou seja: não é só fofura. é regulação emocional.
bobbie goods e me core parecem opostos, mas são duas respostas diferentes pro mesmo sintoma:
gente tentando processar sentimentos numa internet que não para. e não vai parar.
ou seja: chega de tentar entregar só um produto ou criar campanhas que não se conectem de verdade com seu consumidor alvo. bora entregar mais sensação. pertencimento. acolhimento.
[lágrimas caindo]
é com essa que me despeço. nos vemos na quarta que vem!
chegou até aqui? me manda uma mensagem e vamos trocar ideia. curioso pra saber o que vocês tão achando.
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obrigado!
zé
Muito doido ver essas novas formas de expressão que são proporcionadas pelas novas tecnologias, e pelas derivações delas no mundo físico (no caso dos cadernos de pintura). Como a galera fazia antes da Internet? Diários?
Zé, vc conhece os livros “Suruba para colorir”? kkkk to falando sério! estão na 3a edição já, da editora de uma amiga minha que começou a fazer isso (livros de colorir com essa temática, não surubas) em 2015. semana passada teve lançamento em SP. vale a pena. é essa trend, mas na versão NSFW kkkkk