cronicamente online #009 - terceira guerra mundial (de memes?)
como as novas gerações Z e alpha aprenderam a rir do apocalipse (e o que isso diz sobre todos nós)
fala aí, cronicamente! tudo bem por aí? ou pelo menos tentando?
porque vou te falar: a internet essa semana virou uma mistura de grupo de whatsapp pré viagem entre amigos com memes que simulam um apocalipse global (que tá meio perto, né?)
entre notícias sérias de conflitos internacionais, uma onda de vídeos começou a tomar conta de todas as redes, com a galera reagindo ao pior assunto de todos: uma possível Terceira Guerra Mundial.
e aí, você pensa: “meu Deus, o mundo tá (quase literalmente) pegando fogo e tão fazendo dancinha no TikTok com legenda ‘indo pra guerra com meu moletom da Shein’?”
sim.
mas respira. porque isso diz muito sobre como as novas gerações estão lidando com o medo. e usando humor como uma forma de sobrevivência emocional.
até porque, essa é a primeira onda de conflitos de escala global com um mundo tão conectado (e com o TikTok). e isso reflete em como esses eventos são percebidos.
é um mix de desespero, desinformação e muita opinião (solicitada ou não), que cria um comportamento completamente novo. e aí? como explicar isso?
*pega aí o mesmo disclaimer de sempre: o cronicamente online não é sobre opinião. e sim sobre comportamento. o que se reflete aqui não é - e nem será - uma opinião política (convenhamos, em guerra não existe lado, né?)*
você já tá cansado(a) de saber que não é de hoje que o caos vira conteúdo.
(até porque essa é a base de engajamento de grande parte dos políticos/celebridades hoje, né?)
mas essa semana, com a escalada de tensões internacionais e menções à guerra em discursos oficiais, as redes sociais foram à loucura (em todos os sentidos).
teve meme com trilha sonora da Lana Del Rey, montagem de looks pra ir pro front (“war core”), vídeos de alistamento fingido com legenda “indo pra WW3 mas levando meu gloss” e até fanfic de romance entre soldados fictícios.

a hashtag #WW3 ultrapassou os 2,5 bilhões de views em poucos dias, enquanto variações como #WW3outfit, #GenZatWar e #drafttok (draft = convocação militar) também explodiram.
(WW3 = world war 3 - ou terceira guerra mundial)

parece piada.
e é mesmo.
mas também é pânico.
e o riso (nesse caso aqui!) não é só pra fazer uma graça: é pra aguentar o tranco e manter o emocional também.
nas minhas buscas, achei o termo coping mechanism pra justificar isso tudo - ou, em um bom português, mecanismo de enfrentamento.
é o jeito que o cérebro encontra pra continuar funcionando diante do medo, da ansiedade ou do que a gente não consegue controlar.
isso sempre existiu, tá? não é novidade. mas pra gerações anteriores, esse coping podia ser silêncio, reza, troca com familiares e amigos (ou até guardado pra si mesmo).
pra Gen Z e Alpha, vem com áudio viral, legenda irônica e montagem estética no CapCut (e não deixa de ter todo o resto que a outra tinha também).

e essa talvez seja a primeira geração a vivenciar uma ameaça de guerra (escala global) em tempo real, conectada e em rede. do TikTok ao WhatsApp, Telegram e Snap (nos EUA), de meme a meme.
durante a Segunda Guerra, por exemplo, o medo era coletivo, mas isolado na sala de casa. agora, o pânico é remixado, distribuído e viralizado em segundos. independente da sua opinião (o que deixa tudo bem mais sensível…)
o trauma virou trend e isso, por mais estranho que pareça, é o jeito que essa geração achou pra seguir em frente e compartilhar suas emoções.
os dados da American Psychological Association mostram que 7 em cada 10 jovens entre 16 e 24 anos usam o humor como principal ferramenta de enfrentamento emocional, e a Jed Foundation (da matéria ali em cima) aponta que misturar humor e medo em conteúdo aumenta o engajamento e o senso de pertencimento.
no TikTok, a hashtag #darkhumor já acumula mais de 32 bilhões de visualizações e #WW3memes somou milhões em menos de uma semana.
segundo dados da Emplifi, vídeos (especialmente Reels e TikTok) geram até 55% mais interações que imagens estáticas, com tempo de visualização 5x maior e alto potencial de engajamento colaborativo, especialmente quando combinam humor e emoção.
não é só piada.
é sobrevivência com filtro, trilha sonora, repost e inteligência pro algoritmo funcionar mais.
mas entre rir pra não chorar e rir pra nunca sentir, tem uma linha tênue.
quanto mais a gente transforma o medo em entretenimento, mais difícil fica separar o real do performático.

tem vídeo sobre alistamento fake com milhões de views no mesmo feed em que jovens contam que foram, de fato, convocados. em outra timeline, em outro algoritmo…
a ironia virou um modo de defesa, mas, nessa onda que a gente vai, a dessensibilização também.
em entrevista pra The Atlantic, a pesquisadora Kaitlyn Tiffany aponta que esse tipo de humor “parece inofensivo, mas pode embotar o senso de urgência diante de temas sérios”.
ou seja, a mesma piada que protege também pode anestesiar e fazer com que a gente perca a sensibilidade (e a loucura) do que é uma guerra. estamos em pleno 2025 e ainda tendo que discutir isso!!!!
e aí nesse mar de absurdos virais, é fácil perder de vista o que é denúncia e o que é só uma trend com efeito sonoro de sitcom que foi feito por um jovem de 16 anos dentro do quarto, só com um monte de imagem e um CapCut (com marca d’agua).
em meio ao colapso global, muitos vídeos acabam reforçando estereótipos perigosos, especialmente em momentos de tensão global.
durante o boom de conteúdos sobre uma possível terceira guerra mundial, memes associando asiáticos ao comunismo (e falando errado), árabes ao terrorismo e russos à brutalidade voltaram a circular, agora mais “estilizados”.
uma pesquisa da UCLA com jovens de 10 a 18 anos revelou que 80% deles encontraram discurso de ódio online (só nos últimos 30 dias antes da pesquisa!!!)
entre esses conteúdos, 72% relataram ter visto ofensas relacionadas a gênero, enquanto 71% viram ataques com base em raça ou etnia.
o relatório também aponta que “piadas ambíguas e memes codificados” são hoje uma das principais estratégias para propagar ódio sem ativar os filtros das plataformas - o que dificulta a moderação e ajuda esses vídeos a viralizarem como se fossem apenas entretenimento.
isso é ainda mais delicado porque, como mostra estudo do MIT, conteúdos com desinformação ou apelo emocional extremo se espalham 6x mais rápido que fatos frios. especialmente entre jovens de 13 a 21 anos (a gente sabe bem disso, né?)
o resultado? memes que parecem “só uma piada” acabam moldando visões de mundo enviesadas, simplificadas e, muitas vezes, perigosas. (e aí quem vai tentar explicar de novo e mudar isso?)
em tempos de guerra ou polarização, o humor pode ser um “afago na alma”, mas também pode inflamar.
por isso, entender o limite entre coping e xenofobia digital não é só papo de bolha acadêmica e daqui do cronicamente. é algo que precisa ser discutido diariamente. e que varia de país pra país.
e (acho que nem precisa avisar) mas tentar entrar na guerra de engajamento sendo uma marca pode até engajar, mas é completamente sem noção.
aaaah, mas vale avisar essa narrativa (e essa estética do caos/cômico) ainda é, majoritariamente, centrada em jovens urbanos das Américas e de partes da Europa.
em países em conflito real ou com censura digital, o humor como forma de enfrentamento é beeem diferente daqui (isso quando é possível).
a estética de “rir pra não surtar” ainda é um privilégio e isso precisa entrar na conversa.
enquanto no Brasil e nos EUA o humor é a primeira linha de defesa emocional, em regiões como Japão, Coreia do Sul ou Alemanha, a resposta costuma ser mais silenciosa, ou canalizada por outras linguagens: arte, cosplay, comunidades privadas.
um relatório da GWI (GlobalWebIndex) mostrou que 58% dos jovens no Brasil usam memes como forma de aliviar estresse, número que cai para 34% no Japão e 29% na Alemanha.
na Coreia do Sul, por exemplo, o uso de humor digital em temas sensíveis é muitas vezes considerado desrespeitoso e há movimentos contrários à ironização de temas políticos e sociais.
isso também ajuda a entender por que algumas trends que a gente chama de universais não pegam em todos os lugares.
a estética do colapso (credo) é, sim, globalizada mas as formas de digerir trauma e incerteza seguem profundamente locais. só nos resta esperar…
pra concluir o cronicamente de hoje:
no fim, rir ainda é um dos atos mais humanos que existem.
e quando todo mundo resolve rir junto, mesmo em meio ao caos, isso diz muito sobre a época em que a gente vive e sobre o tanto que estamos tentando, todos os dias, continuar “vivões e vivendo”.
se você achou estranho ver memes de Terceira Guerra Mundial no mesmo dia que viu outros milhares de vídeos de GRWM e futebol, respira: esse é o feed tentando fazer sentido num mundo que não tem muito.
talvez o novo formato seja isso aí mesmo: uma tentativa de criar um escudo coletivo pra minimizar o impacto emocional que essas tragédias podem causar.
e talvez quem ainda consiga rir, mesmo que com medo, esteja mais preparado pra seguir em frente do que parece.
afinal, do que estamos rindo?
estamos rindo da guerra ou rindo pra fugir da ansiedade que sentimos por não saber o que vai acontecer amanhã?
e essa ansiedade, por mais absurda que pareça, é só a gente tentando não enlouquecer. juntos.
é o papel de cada um conseguir fazer esse filtro pra que a gente não retroceda anos (e mais anos) no objetivo para a construção de uma sociedade que se respeite.
todo dia torcendo pra que a gente chegue em mais edições dessa newsletter, ein? ajuda nois, mundo!!!
se chegou até aqui e ainda não é inscrito(a), não deixa de clicar aí embaixo:
e se quer compartilhar com uma galera, é fácil. clica aqui:
nos vemos na quarta que vem!
beijos, zé
fantástica a newsletter dessa semana. tô preso no “escudo coletivo” e no “trauma virou trend”. que tapa!