cronicamente online #005
a substância da vida real, o ciclo do "padrão" da beleza e o impacto das "drogas da beleza" no mercado global.
[estamos sobrevivendo!] e, pelo vício de sermos cronicamente online, chegamos a mais uma semana de vida!
já somos mais de 300 leitores, e se isso não é motivo pra celebrar, eu HONESTAMENTE não sei o que é.
se você caiu aqui de paraquedas, recomendo uma passada pelas edições anteriores. um belo mergulho em threads antigas que só vão acrescentar à sua vida:
e se você já é de casa, faz aquele favor: compartilha no grupo de zap com os amigos e co-workers (porque eu sei que você é publicitário - ou quase isso - e fala sobre os “deliverables” no meio do almoço).
e hoje o cronicamente online é investigativo!!!!
(do jeito que a gente gosta: com fofoca, teoria da conspiração, dados corporativos e uma leve dúvida de… “será que é real mesmo?”)
talvez você já tenha esbarrado nesse assunto entre um scroll e outro. mas será que você tem noção de que o buraco é bem mais embaixo?
pra começar com o bisturi afiado (ba dum tss): há exatos 6 meses, Lindsay Lohan reaparecia com um novo rosto, depois de um tempo longe dos holofotes.
logo depois? Donatella Versace e Christina Aguilera surgem na mesma pegada - e tudo isso no meio do hype do filme Substância. [que não abordaremos aqui, infelizmente]

mas na semana passada, chegamos no auge da mudança de rostos das celebridades: Kris Jenner, matriarca do clã Kardashian/Jenner, apareceu com o melhor glow-up de todos os tempos recentes. a notícia gerou um buzz imediato e gigantesco nas redes. vai de Léo Dias a Fantástico (e, se duvidar, até vira papo de ponto de ônibus).

mas a pergunta que não quer calar: estamos mesmo iniciando mais um ciclo no padrão de beleza?
nos últimos ~10 anos, vimos um movimento de quebra desse padrão. corpos mais diversos ganharam espaço e a naturalidade virou tendência entre famosos e influenciadores. só que, ironicamente, o padrão segue se reconstruindo - só muda de cara (nesse caso, literalmente).
pra facilitar a absorção do tema (porque a estética tá cada vez mais complexa), separei o assunto em blocos:
1. o que foi feito nos rostos das famosas? [pra começar resolvendo os curiosos]
dizem por aí (mentira, li nessa matéria da Harper's Bazaar) que o novo rosto da Kris Jenner é resultado de um combo de procedimentos não invasivos: lifting com ultrassom microfocado (tipo Ulthera), preenchimentos estratégicos e peelings.
segundo a publicação, esse tipo de intervenção está na moda justamente por não “paralisar” o rosto como o botox clássico. é o famoso “rejuvenesceu, mas ninguém sabe dizer como”.
mesmo padrão foi visto em Lindsay Lohan, Christina Aguilera e Donatella Versace, com rumores de harmonização + fios de PDO (que, segundo a minha busca, significa polidioxanona ou fios de sustentação).
[cronicamente online também tem cultura biomédica!!!!]
isso é um bom PR direcionado, mas o tribunal da verdade (conhecido como internet, que tem opinião sobre tudo) tem uma teoria forte que tudo isso também vem acompanhado com o Ozempic/Mounjaro/WeGovy (os famosos remédios pra emagrecer) e mais alguns procedimentos.
mas o que tudo isso aí tem a ver com trend, negócio e marketing? CALMA AÍ QUEM TÁ LENDO! pera lá:
2. o que isso tem no impacto do mercado de beleza e entretenimento?
quando uma celebridade como a Kris Jenner muda o rosto (e o público vai a loucura), o efeito dominó começa. o que antes parecia “nunca vou fazer” agora pode ser encarado como um upgrade estético “necessário”.
isso impacta diretamente o que o consumidor quer e o que o mercado entrega.
só pra vocês terem uma noção do que estamos vivendo:
o mercado global de estética não cirúrgica (botox, preenchimentos, ultrassons, bioestimuladores) ultrapassou US$ 71 bilhões em 2023 e deve crescer mais de 14% ao ano até 2030 (dado da Forbes)
a Coreia do Sul, referência em procedimentos estéticos, viu um boom de clínicas oferecendo “baby botox” e “lifting de idol” - tratamentos inspirados em K-pop visuals e que priorizam resultados sutis.
*tem até empresa de turismo oferecendo viagens de “beleza” pra estrangeiros, viu?os cosméticos coreanos também refletem essa tendência: produtos como skin tints, primers glow e blur creams são os mais vendidos na Olive Young, principal varejista de beleza da Coreia (segundo o Statista, 2024)
no entretenimento, celebridades que retornam “melhoradas” visualmente costumam ter mais engajamento (pro bem e pro mal, tá?). o Google Trends mostra picos de busca por “Kris Jenner face”, “Lindsay Lohan 2024” e “Christina Aguilera cirurgia” nos últimos 90 dias.
ou seja, a estética virou relevância de marca pessoal. estar “em dia” com o rosto virou ativo estratégico. tanto pra celebridades quanto pros produtos que vendem essa ideia.
e não é só pra celebridade e adultos… beauty é uma das maiores tendências pra geração alpha (nascidos a partir de 2010).
segundo o NPD group, 70% dos adolescentes entre 9-12 anos nos EUA já usam produtos de skincare diariamente.
a hashtag #sephorakids no TikTok tem mais de 300 milhões de visualizações. e englobam várias marcas de serum, hidrantes, protetores solares (que estão hypadas)
*influencers teen, como a Sofia Schaadt, tem milhões de views de skin care e maquiagem falando sobre “get ready with me pra ir pra escola” ou “minha rotina de skin care noturna”marcas como The Ordinary e CeraVe já relataram um aumento de mais de 40% nas vendas entre adolescentes desde 2022 (fonte: Business of Fashion).
a tendência é pesada e só deve crescer nos próximos anos.
3. as “drogas da beleza” e o novo “ideal”
não tem como falar de estética em 2025 sem mencionar a febre das “drogas da beleza”, que são lideradas pelo ozempic e pelo mounjaro, originalmente indicado para diabetes tipo 2, mas que viralizou pelo seu “efeito colateral” mais celebrado: emagrecer rápido.
os dados ainda são bem americanizados, mas dá pra ter uma noção do que vem por aí quando se escalar tudo isso:
só em 2023, foram feitas mais de 9 milhões de prescrições de ozempic nos EUA.
a Goldman Sachs estima que o mercado global de medicamentos para perda de peso (glp-1) pode chegar a US$ 100 bilhões até 2030*
*só pra ajudar a comparar: o mercado de streaming (Netflix, HBO Max, Disney+…) vale 95bi. ou seja: a injeção vai valer mais do que todas as séries que a gente assiste juntas.um estudo da Cornell university e da Numerator revelou que usuários de glp-1 reduziram seus gastos com supermercado em cerca de 6%, o que representa uma diminuição anual de US$ 416 por domicílio.
o Walmart observou que clientes que utilizam ozempic estão comprando menos alimentos, especialmente doces e snacks, indicando uma mudança significativa nos hábitos de consumo e, consequentemente, mudando as receitas de empresas gigantes que produzem esses alimentos.
mas o entretenimento e o mundo fitness também “emagreceu” nesse processo.
a indústria da moda já volta a falar do “retrô” anos 2000 - onde o foco era o “slim”
o Victoria’s Secret Fashion Show (quem lembra?) voltou em 2024 depois de 6 anos fora do ar e voltou com uma estética bem mais próxima da era pré-2015 do que do discurso body positive. apesar de trazer levemente mais diversidade no casting, o retorno foi lido como um comeback do corpo longilíneo como símbolo de prestígio e sensualidade.
plataformas como TikTok e Instagram vivem uma estética chamada “heroin chic clean” - um revival do look magro e misterioso dos anos 2000, agora embrulhado em skincare, wellness e prescrição médica.
*o nome já é meio preocupante, né? fica ainda mais quando essa estética é dominada por jovens de 16-20 anos. mas aí é tópico pra outra newsletter… hahaha
4. e os influenciadores na internet… o que estão falando sobre isso?
as celebridades lançam tendência e os influenciadores espalham o processo. tem vídeo, carrossel, tutorial, antes/depois enchendo a timeline.
a hashtag #ozempic já tem mais de 1 bilhão de views no TikTok e, grande parte da conversa, é no tom da comédia.
*a trend magras, magras, magras é um exemplo disso.
os vídeos de rebranding pessoal, como “isso é por mim, não o meu antigo eu” também fazem sucesso, principalmente com o “choque” de antes e depois.
nos últimos meses, vários criadores conhecidos por defenderem autoaceitação, corpos reais e estética inclusiva passaram a compartilhar processos de emagrecimento assumido: com Ozempic, bariátrica, lipo HD ou “mudanças de estilo de vida” que geralmente vêm com alguma agulha envolvida.
são vários casos recentes de influenciadores que entraram na onda abertamente. e mudaram o discurso sobre o tema: Lucas Rangel, Viih Tube, Thaís Carla, Caio García, Bielo (e até a Jojo Toddynho, mas ela não falava muito sobre isso, né?)…
se isso é bom ou ruim? certo ou errado? depende do ponto de vista. o cronicamente online não julga [só às vezes], mas traz dados pra que a gente reflita e tire as próprias conclusões (solta a educação positiva!).
mas esse ponto aí de cima pega principalmente quando falamos sobre o acesso desses medicamentos. onde a internet cria o “desejo” de mais um remédio/procedimento que pode ser incrível pra diminuir números da obesidade, mas que ainda é inacessível financeiramente pra grande parte da população.
5. o acesso na internet vs. o acesso na vida real
enquanto é fácil ser bombardeado com “clean girl” style na timeline e com fotos da Kris Jenner (pra conectar com o tópico da semana haha), o acesso ao novo (novo?) padrão tá longe da realidade:
Ozempic: de R$ 800 a R$ 1.500 por mês, sem cobertura de plano (e com lista de espera em algumas regiões do Brasil).
lifting não cirúrgico (tipo Ulthera ou Sofwave): entre R$ 8 mil e R$ 15 mil por sessão.
preenchimentos faciais + bioestimuladores: um “pacote básico” pode passar de R$ 20 mil com profissionais renomados.
bariátrica (particular): de R$ 25 mil a R$ 40 mil, dependendo da cidade e da técnica.
a Botoclinic, maior rede de estética facial da América Latina, cresceu oferecendo modelos de assinatura e parcelamento, com planos mensais que variam de R$ 150 a R$ 450. o modelo de negócio transformou o botox em rotina: mais de 1,5 milhão de atendimentos já foram realizados pela rede, com presença em mais de 400 unidades no Brasil e expansão pra fora daqui.
ó a oportunidade de negócio aí.
com esses números, é fácil entender que o acesso não é pra qualquer um*. e que isso pode causar (e já deve estar causando), uma série de buscas de “procedimentos baratos” que podem acabar mal.
(*ah, não é pra qualquer um, por enquanto. a patente do Ozempic cai no ano que vem e a CIMED já tá pronta pra lançar a canetinha amarela. então preparem pra mudança de consumo vir FORTE no Brasil a partir do ano que vem também.)
mas o outro lado da discussão também existe (como uma boa trend de internet):
no fim, como fica pro consumidor?
como sempre, uma roda gigante que vai e volta.
uma hora é clean, outra não tanto… e é assim que funciona a vida… haha! o mais importante é entender que a tendência sempre tem seus dois lados: o bom e o ruim. e como vamos trabalhar com eles é o que importa.
pra não esquecermos:
63% das mulheres brasileiras dizem se sentir pressionadas por padrões de beleza, mesmo reconhecendo que eles são inalcançáveis (pesquisa do Instituto Avon & Locomotiva, 2022).
1 em cada 4 jovens da Geração Z no Brasil já considerou um procedimento estético e o motivo? vem de “se sentir fora do padrão” (Toluna, 2023).
e enquanto a estética acelera, o bolso freia: a busca por “botox barato”, “ozempic sem receita” e “harmonização em 12x” cresceu mais de 80% no Google Brasil entre 2023 e 2024.
é tendência? é! temos muito o que fazer? não muito. é observar e tentar agir positivamente onde conseguimos.
mas é importante ter consciência de como estamos conseguindo olhar pro impacto do futuro nessa frente que afeta TODAS as áreas da nossa vida.
quem diria que Kris Jenner nos faria REFLETIR tanto, ein? kkkk
e é assim que a gente se despede desse cronicamente online investigativo (e cheio de threads) dessa semana.
nos vemos na quarta que vem!
valeu!
zé
Meu cronicamente favorito até agora! Seu texto e análise estão muito boas. Tô muito ansioso para começarmos a ter dados do impacto do Ozempic e medicamentos no consumo massivo do Brasil. Mudança de hábito (forçada!) que vai impactar diretamente a indústria de alimentos e bebidas! Obrigado, Zé!